O capítulo 18 do Evangelho de Mateus é um texto muito rico, no qual Jesus instrui os discípulos sobre como viver as relações dentro da comunidade recém-nascida. A pergunta que Pedro faz retoma as palavras que Jesus havia dito pouco antes: “Se teu irmão pecar contra ti…”1. Jesus fala e, pouco depois, Pedro o interrompe, como se percebesse que não havia compreendido direito o que o seu Mestre acabara de dizer. E lhe faz uma das perguntas mais relevantes sobre o caminho que um discípulo seu deve seguir: Quantas vezes se deve perdoar?
“Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?”
Questionar faz parte da jornada de fé. Quem tem fé não tem todas as respostas, mas permanece fiel apesar das perguntas. O questionamento de Pedro não é sobre o pecado contra Deus, mas sobre o que fazer quando um irmão ofende outro irmão. Pedro até que se considera um bom discípulo, porque pode chegar a perdoar até sete vezes2. Mas não espera uma resposta tão imediata de Jesus, que abala suas convicções: “Digo-te, não até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes” (Mt 18,22). Os discípulos conheciam muito bem as palavras de Lamec, o filho sanguinário de Caim, que cantava a repetição da vingança até setenta e sete vezes3. Jesus, fazendo alusão justamente àquela afirmação, contrapõe a essa vingança ilimitada o perdão infinito.
“Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?”
Não é questão de perdoar uma pessoa que fica nos ofendendo a todo momento, mas sim de perdoar repetidamente em nosso coração. O perdão verdadeiro, do tipo que nos faz sentir livres, geralmente acontece por etapas. Não é um sentimento, não é esquecer: é a opção que o homem de fé deveria fazer, não só quando a ofensa é repetida, mas também cada vez que a ofensa volta à lembrança. É por isso que precisamos perdoar setenta vezes sete vezes.
Chiara Lubich escreve: Jesus […] pensava, portanto, sobretudo no relacionamento entre cristãos, entre membros da mesma comunidade. Por isso, é antes de tudo com seus outros irmãos na fé que você deve se comportar dessa maneira: na família, no trabalho, na escola, ou na sua comunidade se você fizer parte de uma comunidade. Você bem sabe que temos a tendência de retribuir a ofensa sofrida com um ato ou uma palavra à altura. Você sabe que, devido às diferenças de caráter, ou por nervosismo, ou por outras causas, as faltas de amor são frequentes entre pessoas que convivem. Pois bem, lembre-se que somente uma atitude de perdão, sempre renovada, pode manter a paz e a unidade entre irmãos. Você sempre terá a tendência de pensar nos defeitos de seus irmãos, de se lembrar de seu passado, de querer que eles sejam diferentes daquilo que são… Você precisa adquirir o hábito de vê-los com um olhar novo, e vê-los como se eles mesmos fossem novos, aceitando-os sempre, de imediato e plenamente, mesmo quando não se arrependem4.
“Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?”
Todos nós fazemos parte de uma comunidade de “perdoados”, porque o perdão é um dom de Deus, do qual nós sempre precisamos. Deveríamos sempre ficar maravilhados com a imensidão da misericórdia que recebemos do Pai, que nos perdoa quando também nós perdoamos os irmãos5.
Ocorrem situações nas quais não é fácil perdoar, circunstâncias devidas a condições políticas, sociais ou econômicas nas quais o perdão pode assumir uma dimensão comunitária. Existem muitos exemplos de mulheres e homens que conseguiram perdoar até mesmo em contextos os mais difíceis, ajudados pela comunidade que os apoiou.
Osvaldo é colombiano. Foi ameaçado de morte e viu seu irmão ser morto. Hoje ele está à frente de uma associação de camponeses, onde trabalha para reabilitar pessoas que estiveram envolvidas diretamente no conflito armado do seu país. Teria sido fácil responder à vingança com mais violência, mas eu disse não, explica Osvaldo. Aprender a arte do perdão é muito, muito difícil, mas as armas ou a guerra nunca são uma opção para transformar a vida. O caminho da transformação é outro, é poder tocar a alma humana do outro; e para fazer isso você não precisa do orgulho nem de poder algum: é necessária a humildade, que é a virtude mais difícil de se construir6.